Me forcei a vomitar.

Você diz que não pareço doente. Irônico. Só eu vi a preocupação no olhar de médicos e familiares sem saber se eu continuaria viva ou não. Só eu vi o sofrimento da minha mãe na minha primeira internação.

Só eu vi meu corpo mudar drasticamente. Meus cabelos caírem e minhas unhas quebrarem como se fossem feitas de papel. Só eu vi minhas mãos e meus lábios pálidos por falta de nutrientes. Só eu vi minha mente não reconhecer o reflexo que via no espelho. Só eu vi como era insuportável a ideia de continuar viva.

Só eu vi meus "amigos" sumirem como num passe de mágica. Só eu vi meus parentes me olharem com nojo e desgosto. Só eu vi os olhares de julgamento. Só eu vi e senti a pressão desses mesmos olhares que deveriam me acalentar. Só eu vi pessoas que deveriam me acolher, me encolherem.

Só eu vi meu sangue pingar no chão frio do banheiro, noite após noite. Só eu tinha uma puta vergonha no dia seguinte. Só eu me sentia fracassada por não ter autocontrole. Só eu tinha que inventar mil e um motivos pra usar blusa de frio na eacola em pleno verão. Só eu vi e ouvi meus pulsos chorarem copiosamente.

Só eu passei dias e dias chorando de dor - na alma. Só eu levantava da cama por obrigação. Comia por obrigação. Tomava banho por obrigação. Escovava os dentes por obrigação. Estudava por obrigação. Só eu. Só eu passei noites em claro, sentada no chão do banheiro em frente ao vaso, perdida.

Só eu não pude descansar mesmo no hospital, ou - de acordo com a minha mente paranóica - seria vítima de erro médico. Só eu vi deformidades no meu corpo que, pasmem, não existiam. Só eu tive sintomas e mais sintomas que, pasmem novamente, não eram de nenhuma doença orgânica. Só eu desabava quando novamente os exames vinham sem alterações. Só eu quis morrer, inúmeras e inúmeras vezes. Só eu planejei isso, da forma mais detalhada possível.

Só eu ia a farmácia e deixava todo meu dinheiro lá. Só eu vivia dopada por não ter outra opção. Só eu sofria com efeitos e mais efeitos colaterais de drogas que tinham a intenção de me ajudar. Só eu ia semana após semana à psicóloga e escutava "como foi seu fim de semana?" com um tom vazio. PORRA, EU TÔ AQUI. OLHA PRA MIM. ME ENXERGA.

Só eu ouvi coisas que pioraram tudo. Só eu escutava que isso era "preguiça", "falta de vergonha na cara", "falta de emprego" ou, pior, "drama". SIM, como vocês adivinharam? É drama sim. Quem não quer se sentir morta todos os dias não é mesmo?

Só eu precisei engolir o choro pra fingir que meu progresso de melhora é válido, caso contrário perderia toda a credibilidade. Só eu precisei me forçar a ver meus amigos e no fim, nada.

Só eu sofri por ter que desmarcar novamente um compromisso por não ter condições de ir. Só eu me revoltei contra minha própria cabeça. Só eu chorei como uma criança por não sentir mais vontade ler, ou de qualquer outra coisa. Só eu recebi olhares de piedade. Olhares que me viam, e não me enxergavam.

Só eu batia em mim mesma como uma louca por estar novamente com oscilação de humor. Só eu via as pessoas me chamarem de bipolar de forma pejorativa e maldosa. Só eu precisei ver meu médico assinar a carta de internação, de novo. Só eu senti naquele momento que tinha falhado como pessoa. Que não tinha mais jeito. Que era impossível.

Só eu fiquei magoada em meio a tanto julgamento de quem não buscou conhecer minha vida ou minha doença nem por um instante antes de dar sua INCRÍVEL e IMPORTANTE opinião.

Lembrem-se que há muita coisa que você não vê, e que essa não é nem metade da luta. Você não sabe o que se passa dentro de outra pessoa.

Você não precisa ver cicatrizes, deformidades, próteses, cadeiras de rodas ou aparelhos de suporte à vida para acreditar no diagnóstico de alguém. As pessoas são muito mais profundas do que elas mostram. Você pode só ser gentil.

Beatryz Duarte.

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